quarta-feira, 18 de maio de 2011

o fim.

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, 
e o que nos ficou não chega 
para afastar o frio de quatro paredes. 
Gastámos tudo menos o silêncio. 
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, 
gastámos as mãos à força de as apertarmos, 
gastámos o relógio e as pedras das esquinas 
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras 
e não encontro nada. 
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro! 
Era como se todas as coisas fossem minhas: 
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes! 
e eu acreditava. 
Acreditava, 
porque ao teu lado 
todas as coisas eram possíveis. 
Mas isso era no tempo dos segredos, 
no tempo em que o teu corpo era um aquário, 
no tempo em que os meus olhos 
eram peixes verdes. 
Hoje são apenas os meus olhos. 
É pouco, mas é verdade, 
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras. 
Quando agora digo: meu amor..., 
já se não passa absolutamente nada. 
E no entanto, antes das palavras gastas, 
tenho a certeza 
de que todas as coisas estremeciam 
só de murmurar o teu nome 
no silêncio do meu coração. 
Não temos já nada para dar. 
Dentro de ti 
não há nada que me peça água. 
O passado é inútil como um trapo. 
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.


 Eugénio de Andrade

Acabou, dois anos de amor, que terminaram em mentiras.

4 comentários:

  1. Isto não está famoso, pois não? Sempre aodrei este poema, uma vez em filosofia tinhamos de fazer um trabalho sobre algo estetico que gostavamos - poema, fotografia, música - e eu escolhi este poema. Acho que fui ao fundo da essência deste poema e consegui a melhor nota de todos os trabalhos que o professor tinha visto até aquela altura. Ganhei-lhe um gosto ainda maior.*
    Quanto ao resto, acho que os meus 4 anos e tal também chegaram ao fim. Chegaram já há uns dias mas só ontem é que chorei, acho que só ontem tomei consciencia. Costuma dizer-se que a primavera têm destas coisas:|

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  2. Infelizmente estes "4 anos e tal" não tem sido pacificos, mas isto era tema para muita conversa. Não é a primeira vez que acabamos. Nós já passamos alguns tempos separados e acho que nos fez bem. O que tem vindo a acontecer é que tenho sido eu a trabalhar sozinha e eu afastei-me, afastei-me já há uns dias e não recebi nada. Recebo a insistência via telefone mas que eu faço questão de (tentar) ignorar. Não é isso que eu quero, o que eu quero é ser procurada. Só ontem é que isto me bateu, chorei e hoje chorei mais e vou chorar mais. Se calhar saturamos.

    E tu o que se passou?*

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  3. Márcia , como assim ?
    Depois manda sms :c

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  4. este poema é muito bom mesmo! apresentei-o uma vez, numa aula de português * força querida!

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"escrever é uma forma de falar sem sermos interrompidos"